Texto e foto de Valéria del Cueto
Eita carnaval 2017 que não acaba… Pulei duas semanas de escrivinhação sem um grande estímulo pra sair da vida de foliã já que a realidade não está fácil pra ninguém. Viajei e caí no Fora de Época de Uruguaiana, Rio Grande do Sul, para ver o querido carnavalesco Severo Luzardo ser bicampeão pelos Rouxinóis, numa homenagem mais que merecida à querida Magda Gonçalves, sua mãe, que nos deixou em 2016.
Na bagagem uma enorme vontade de pular os acidentes do Grupo Especial do Rio de Janeiro e contar, de forma poética e emocional, a crônica da porta-bandeira da Unidos de Padre Miguel que caiu na pista no segundo dia do Grupo de Acesso, o sábado, na Marquês de Sapucaí.
Jéssica Ferreira se apresentava diante do módulo duplo de julgadores quando num rodopio desabou no meio da pista. Foi atendida por Carlos Brilhante, coordenador de apresentação dos casais, membros da agremiação, o criador da Escola de Mestre-Sala e Porta-Bandeira Mestre Manoel Dionísio, além dos maqueiros do Corpo de Bombeiros, diante do público estarrecido. A paralisia foi quebrada quando Manoel Dionísio orientou os diretores de harmonia da escola para que trouxessem a substituta, a segunda porta-bandeira. O mestre-sala Vinicius, cumprindo seu papel, segurava o pavilhão da escola, entregue à sua guarda por Jéssica que o sustentou no momento da queda e o passou ao parceiro e guardião para ser socorrida.
Imaginem o susto da segunda porta-bandeira ao ser requisitada, alas atrás, a seguir representando a escola. Agora, como titular. Para mim a cena, registrada pela fotógrafa Luana Ramos Dias, em que Manoel ergue o queixo de Vinicius acalmando-o enquanto a nova parceira não chega é uma das mais belas do carnaval 2017. Aquela era a imagem que gostaria de ter feito…
No dia seguinte, perguntei ao criador da escola de casais o que ele falou para Vinícius naquele momento. O mestre contou que o animava erguendo sua cabeça e dizia para segurar a emoção pois caberia a ele dar força e segurança para Cássia Maria, que não tinha ideia do que havia acontecido e teria que desfilar a partir dali com o pavilhão principal da agremiação.
Por que não fiz o registro? Tinha feito várias fotos do casal no primeiro módulo, algumas nesse outro e, com a certeza que o material estava satisfatório, optei por correr para a frente da escola e subir para a torre de transmissão. De lá faria as fotos da cabeça da escola, comissão de frente e do casal de um ponto diferente, mais alto. Confesso que nem reparei no fato da roupa da porta-bandeira ser totalmente diferente da que havia registrado nos dois primeiros módulos. O que chamou minha atenção foi a coreografia que não correspondia a que havia visto anteriormente. Só aí notei que havia algo incomum…
Fiquei ainda mais impressionada com o episódio quando, ao sair da pista e ser entrevistado, Vinícius citou um fundamento que diz que nenhum mestre-sala dança sozinho, aprendido na Escola Mestre Dionísio, mas que ele precisou estabelecer um contato com o público. Acreditem, ele pediu desculpas à comunidade de Vila Vintém pelos passos que havia dado na pista enquanto esperava a chegada de Cássia Maria, trazida por Quenga, diretor de harmonia.
Foi um carnaval de tantas surpresas (como a perda de um décimo que custou o título a Mocidade Independente de Padre Miguel, penalizada pela ausência de um destaque que não constava do abre-alas, o livro guia dos jurados em sua versão final, só descoberto quando foram liberadas as justificativas das notas essa semana), que precisava de um fato que depurasse e marcasse a força da superação (?) do povo do samba.
Ela veio através das redes sociais num áudio anônimo que “simula” uma conversa entre a carnavalesca da São Clemente, Rosa Magalhães (outra injustiçada nas notas dadas pelos jurados), e o presidente da Liga das Escolas de Samba, Jorge Castanheira. Nela, a supercampeã comenta os acontecimentos ocorridos após a divulgação dos fatos que tornaram a performance do júri desse carnaval inesquecível. Satirizando suas próprias mazelas, o episódio vai ficar na memória de todos os que presenciaram ou acompanharam o carnaval. Esse de 2017, que parece não ter fim…
**Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “É Carnaval”, do SEM FIM… delcueto.wordpress.com