Caymmi tinha razão
Texto e foto de Valéria del Cueto
Doente do pé e/ou ruim da cabeça, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, entre idas, vindas e bênçãos, mandou um recado (!) ao povo do samba: o dinheiro da subvenção da prefeitura para o carnaval 2018 foi reduzido pela metade.
Tal qual marido traído os responsáveis pelo espetáculo foram os últimos a saberem da intenção do alcaide. Em nota ele informou que botará iogurte na merenda das creches cariocas capando um milhão de cada escola do Grupos Especial (50%). Também pretende reduzir a verba do Acesso e cortar os recursos para a montagem da estrutura do desfile dos demais grupos, na Intendente Magalhães. Adieu cultura popular.
O que levaria o bispo Marcello Crivella a provocar um tsunami no mundo do samba, abalando as estruturas de um espetáculo que rende aos cofres da prefeitura um retorno de 3 bilhões e movimenta em todos os níveis a cadeia produtiva do Rio de Janeiro?
As mesmas intenções que fizeram o agronegócio defenestrar o enredo sobre Xingu da Imperatriz no último carnaval e Luciano Huck correr atrás de uma escola que topasse contar sua riquíssima história na Sapucaí, dias atrás.
O mundo do carnaval é terreno em que se plantando tudo dá. Especialmente notícias e repercussão instantânea. Boa, bonita e barata. O “custo” de uma ação de marketing coordenada é muito baixo quando a capilaridade e a “sonoridade” dos defensores da maior manifestação cultural brasileira são acionadas.
Crivella tem planos maiores. Inicialmente, seu caminho natural, já que nunca participou da administração pública, seria da prefeitura ir para o governo do estado e, então, a Presidência da República seria o limite.
Só que, como verificamos dia a dia, o Brasil tem a capacidade de extrapolar a ficção e desconstruir projetos, especialmente a longo prazo. Com a instabilidade política, a estratégia traçada precisa ser readequada para acompanhar os acontecimentos. Com o cavalo passando encilhado, é hora tentar monta-lo!
Há um vácuo de poder federal e uma possibilidade de se movimentar com a falta de candidatos viáveis para a Presidência já em 2018. Bolsonaro se lançou, mas não é lógico entregar ao alheio o ativo de votos evangélicos. João Dória voa baixo, mas está muito exposto. Seu partido, o PSDB, implodindo.
A bancada e a base evangélica não têm porque apoia-los se tiver um nome com projeção nacional. Crivella pode se viabilizar nessa brecha. Para isso precisa se apresentar e posicionar no tabuleiro eleitoral.
A polêmica carnavalesca é um recurso caseiro para alavanca-lo. O assunto já mostrou que tem abrangência. É briga de cachorro grande e apaixonante. Quantos municípios brasileiros cancelaram seus carnavais em 2017? Será que isso prejudicou a imagem de seus prefeitos? Ao contrário. Fortaleceu.
Com o quadro atual, Crivella precisa apressar o processo. Bate de frente com o carnaval carioca, ganha exposição e cria um debate nacional que pode posiciona-lo como um possível candidato a presidente.
É jogo alto, baseado em pesquisas, projeções e acordos aos quais os eleitores comuns não têm acesso, mas que estão rolando nos bastidores. Juntando os votos evangélicos com os da direita ele pode virar um trator eleitoral.
O timming está certinho! Se não houver desvios de percurso, pavimenta sua candidatura à Presidência e se equipara a outro candidato (provavelmente da bancada ruralista). Se não der para ganhar, tem cacife para negociar. Que vença o melhor. Para eles.
Somos peça chave nesse tabuleiro. Com um detalhe estratégico: enquanto jogamos damas, ele joga xadrez…
Em tempo: parte dos recursos orçamentários que sobrou do carnaval de 2017, quase um milhão, foi realocado para uma campanha da Riotur de atração de turistas nacionais, a #vemprorio. Segundo anunciou o presidente do órgão, Marcelo Alves, em maio, o custo da iniciativa é de 200 milhões!
*A enquete da Revista Veja sobre o assunto.
**Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “É Carnaval”, do SEM FIM… delcueto.wordpress.com