Texto e foto de Valéria del Cueto

E lá vamos nós! Deixe a crise pra lá e traga a alegria pra cá. Chegou mais um carnaval. Mais um? Que nada! A cada ano algumas coisas se repetem, mas se olharmos bem, outras tantas se modificam, mudando a cara da festa.

Para cada lado que lanço meu olhar de observadora da folia vejo essas modificações. Sutis, algumas vezes, escancaradas em outras.

Hoje, minha atenção está se divide em três pontos do país:Uruguaiana/RS,  Cuiabá/MT e, claro o Rio de Janeiro que, afinal é a origem do meu amor pela folia e suas formas de manifestação.

Esse amor é tão grande que realizou o milagre de me fazer, finalmente, terminar um curso superior. Comecei com a primeira turma e terminei com a segunda (só consegui pegar meu certificado um ano depois), o que faz de mim, oficialmente, uma Gestora de Carnaval. E é o que parece uma piada ou diversão para alguns que me faz ter hoje, esse triplo olhar sobre a festa e seus variados aspectos.

SUL

Em Uruguaiana, sou testemunha de um fenômeno cultural da cidade: um desfile tardio, realizado duas semanas depois do carnaval oficial. É aí que estarei para ver no que virou o a festa que vi se transformar, por razões involuntárias, há mais de 20 anos atrás. Nessa época, por anos seguidos, a chuva, a falta de energia e outras intempéries fizeram com que o carnaval “atrasasse”. Um dia alguém se tocou que este “delay” era a chave para o sucesso do evento que hoje reúne mais de 25 mil pessoas.

LESTE

Aqui no Rio o fenômeno carnavalesco se renova a cada ano. E se (hipótese implausível) nada de novo acontecer no período momesco, ainda assim o Rio já terá dado sua cota de reinvenção na pré-temporada de verão.

A encolha das noites memoráveis nas semanas que antecediam a festa, nos shows do Terreirão do Samba, (que agora acontecem só no carnaval), foi inversamente proporcional ao crescimento e ao sucesso dos ensaios técnicos das escolas de samba, realizados desde dezembro na Sapucaí.

A diversão gratuita caiu no gosto dos cariocas que, pelo menos no mês de janeiro, lotaram as arquibancadas do sambódromo para ver as grandes agremiações “afinarem” a performance para a disputa do título.

No início eram apenas ensaios. Com o passar dos anos evoluíram para uma diversão popular e descontraída, sob o olhar atento da LIESA. As alas passaram a usar camisetas, estas foram customizadas, personalizadas e ganharam ares de fantasias.

Hoje temos uma festa cheia de atrativos para o público, que não enfrenta a maratona de seis escolas por noite ( nunca são mais de 3 por ensaio), e ainda pode se acabar de sambar na arquibancada. Isso, se não rolar uma camiseta de uma ala, o que costuma acontecer. Muitos componentes do desfile oficial são de fora.. Virou praxe democratizar a diversão e convidar os chegados pra fazer número no desfile de mentirinha.

Como o Deus do carnaval não é chegado numa mesmice, as novidades (que já não são tantas no desfile oficial), se multiplicam nos ensaios técnicos.  O show da Viradouro, com toques de atabaques anunciando o Exu incorporado pelo carnavalesco da escola é um exemplo. Milton Cunha, responsável pelo show “Forças da natureza”, da Cidade do Samba (complexo onde estão reunidos os barracões do Grupo especial), extrapolou o enorme palco do local e levou para a avenida uma abertura de ensaio sui generis. Vai haver, daqui pra frente muitas luzes no final do túnel que ele acaba de transpor tateando, ainda na escuridão.

A segunda novidade também diz respeito a entrada na avenida de uma escola. Desta vez a Imperatriz Leopoldinense, considerada uma escola certinha, burocrática demais. Pois esta pecha cai por terra quando, devido a seu enredo “Imperatriz, só quer mostrar que faz samba também”, ela substitui seu repertório antigos sambas de enredo campeões, cantando no lugar sambas como Tristeza ( por favor vá embora…) de Niltinho Tristeza, Vou Festejar, de Neoci, Dida e Jorge Aragão. E pra gente se acabar de brincar ( é eu disse brincar) carnaval, um clássico do Cacique de Ramos, de Amauri, Noca da Portela e Valmir. Depois vem o samba enredo deste ano, que segue no mesmo embalo.

Tu brincastes ele brincou, nós brincamos. A Imperatriz foi o verbo transitivo, intransitivo dos esquentas das escolas nos ensaios técnicos. Resta saber como ela se sairá na hora do da onça beber água.

CENTRO OESTE

Vamos ao  último vértice do meu triângulo. Em Cuiabá, Mato Grosso, me chamou à atenção a proposta de reestruturação da festa, decadente nas últimas décadas. A descentralização e a iniciativa de utilizar apenas gente local para animar os foliões são etapas de um processo muito interessante de revitalização dos festejos. Pretendo participar ativamente deste processo, com a realização das oficinas Plumas e Paetês,  uma série de work shops sobre o fazer carnavalesco.  A intenção é deixar aflorar as características do carnaval local.

Você vai dizer que é muito chão para poucos dias, mas o que posso fazer se ainda não descobrimos um jeito de fazer carnaval o ano inteiro? Vamos chegar lá! Quem (sobre) viver verá…

 Valeria del Cueto e jornalista e cineasta
liberado para reprodução com o devido credito

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