Texto e foto de Valéria del Cueto

É muito assunto para pouco espaço, assim como é pouca caçamba para tanto descarte. Dito isso, vale ressaltar que o carnaval, como força motriz criadora e geradora, sempre andou a frente das teorias que permeiam sua produção artesanal e industrial.

No quesito gerência a aplicação de conceitos de consagrados especialistas mundiais em gestão da excelência (o PDCA de Deming, a adequação de uso com satisfação do cliente de Juran, as equipes de trabalho de Ishikawa, a filosofia de Crosby, o controle total da qualidade de Feigenbaum e os ensinamentos de Peter Drucker) são, atualmente, verificados na cadeia gerencial do cotidiano das escolas de samba. Como não dar a devida importância à questão do descarte na indústria carnavalesca?

“Nossa preocupação é em como colocar o carnaval na avenida. Como tirá-lo de lá, são outros 500…” A resposta pertinente a essa questão há alguns anos  deixou de ter consistência quando se detectou o valor do que saía das pistas de desfile (isso, para abordarmos apenas um “fim” da questão, deixando de lado, entre outras, a destinação das aparas da imensa produção dos barracões).

As agremiações começaram a vender e/ou doar fantasias e alegorias para outras entidades carnavalescas criando uma cadeia que pode começar na Sapucaí e terminar alguns anos depois, por exemplo, na passarela do carnaval de Alegrete/RS. Outra vertente é dos grupos que, depois de desfilarem no sambódromo carioca, se apresentarem em escolas de grupos inferiores na Intendente Magalhães, zona norte do Rio.

Mas como agregar um selo de sustentabilidade a todo esse esforço ainda incipiente se levar em consideração a imensa quantidade de “lixo” recolhido nas dispersões carnavalescas? Nesse momento temos movimentos e ações realizados individualmente pelas escolas de samba e outros agentes do processo. Como sempre pioneiros e inovadores apesar de, mais uma vez, serem grandes laboratórios na prática para, somente posteriormente, serem reconhecidos e compreendidos pelos teóricos. Eles, que já acordaram para mais esse fenômeno em desenvolvimento na indústria carnavalesca.

É possível identificar os atores principais do que será em breve um processo muito mais amplo. As escolas de samba não são as únicas envolvidas. A cadeia de responsabilidades que influencia e atua diretamente na questão dos descartes começa pelos fornecedores, os tipos de materiais e como eles são produzidos; passa pelos carnavalescos que definem o que será utilizado; os componentes e como vão tratar a fantasia que tem um valor agregado mesmo depois da apresentação; as escolas, que  viabilizam novas utilizações para as peças e pelo poder público, encarregado de recolher  o que fica para trás nas caçambas e espaços do entorno das passarelas.

Parece simples, mas não é. Pelo menos no caso do reaproveitamento do que fica nas dispersões. Uma das dificuldades é a diversidade incrível de materiais que dificulta a coleta, a separação e a seleção do que é, na verdade, um tesouro!

Já há iniciativas para fazer da arte desperdiçada e descartada outras peças, também de arte. É assim que ainda de forma incipiente, mas insistente, projetos tentam recuperar, classificar e, reinterpretando em novas leituras, reciclar a arte pela arte.

Sustentabilidade aos poucos deixa ser apenas tema de enredos carnavalescos para virar prática cotidiana na indústria sempre criativa e inovadora do carnaval.

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Texto da série “É carnaval”

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