Enfim, o título da Grande Rio. Fala, Majeté!
Texto e fotos de Valéria del Cueto
“Fala Majeté! Sete Chaves de Exú” mostrou que o caminho para o título tão almejado nunca foi o do luxo e dos famosos que faziam a fama da Grande Rio.
O pote de ouro no final do arco-íris estava bem ali, nas ruas, nas feiras, no carnaval, nas encruzilhadas, na história de Estamira, a catadora de lixo com problemas mentais, retratada no documentário de Marcos Prado, no Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, que conversava com o orixá pelo telefone.
A façanha inédita era o objeto de desejo da comunidade de Duque de Caxias, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, desde que a Grande Rio ancorou definitivamente no Grupo Especial, em 1993.
Seu desfile seduziu o público presente no Sambódromo da Marquês de Sapucaí. Ficará na memória como um dos mais empolgantes do… século!
Não foi exatamente um carnaval tranquilo. A começar pelos problemas de estrutura, o que é de se estranhar depois do período conturbado de Marcelo Crivella na Prefeitura do Rio. Quem pensou que Eduardo Paes pegaria o trem na estação onde desembarcou no final de seus 8 anos de prefeitura perdeu feio a aposta.
Do credenciamento conturbado, passando pela falta de segurança no entorno e a precariedade do sistema de transporte, até chegar a estapafúrdia novidade, a iluminação milionária da pista, o que se viu foi uma sequência de erros e equívocos inaceitáveis para quem não era marinheiro de primeira viagem.
Mesmo assim, Dudu Boa Praça fez a fama e se sentiu à vontade pontificando em cada escola mostrando sua intimidade com o povo do samba.
A nova iluminação da pista cantada em verso e prosa é, para dizer o mínimo, um desconforto para o público nos intervalos entre as apresentações. Ninguém via ninguém entre as idas e vindas erráticas dos fachos de luzes e a troca das cores performáticas do equipamento composto por 144 moving lights, 144 projetores de led, duas mesas de controle DMX, rede de controle, 24 quilômetros de fibra, etc, ao custo aproximado 16 milhões de reais.
Nos desfiles a luz fixa, mas irregular, dificultou os registros de vídeos e fotos e, com desenho luminoso antes e depois das escolas, se perdia a profundidade das imagens. Prejuízo geral. Especialmente para quem pagará a extravagância desnecessária gerada por meio de uma Parceria Público Privada: o povo carioca.
No quesito sonorização, em vez de excesso, houve ausência de qualquer melhoria no sistema. Esse, sim, um gargalo que a organização do carnaval não consegue solucionar, apesar de ser elemento essencial ao desempenho das agremiações e solicitação recorrente.
As deficiências foram minimizadas pelas saudades sentidas por milhares de componentes e o público, ávidos por sentirem, novamente, brotar a energia do amor incondicional que o Desfile das Escolas de Samba desperta em cada folião.
DESFILE DAS CAMPEÃS
Foi por um décimo que o Salgueiro ficou entre as 6 escolas do desfile das campeãs. Desbancou a Mangueira, com o mesmo número de pontos da Mocidade, mas uma posição acima pelo critério de desempate. “Resistência”, o enredo de Alex de Souza, é um libelo à força da raça, à luta do povo negro e suas conquistas.
Resistência segue na fita da segunda escola a se apresentar, agora em sua forma orgânica, o Baobá. “Igi Osè Baobá”, enredo da Portela, fala do pilar que une o céu a terra, a árvore da vida, da… resistência. A porta-bandeira Lucinha Nobre, vencedora do Prêmio Estandarte de Ouro, desfalcará a escola de Madureira. Indo dar um beijo em seu irmão durante a passagem da escola que fechou a disputa do Grupo Especial, no sábado, Lucinha quebrou o pé.
Esse irmão é Dudu Nobre um dos autores do samba sobre Martinho da Vila que deu o quarto lugar à Vila Isabel num desfile pra lá de animado. Saudar a vida e a carreira do compositor só poderia ser dessa maneira. Uma festa familiar e popular na avenida.
Essa animação vai continuar com a Viradouro, a terceira colocada. Talvez, sem estar numa disputa, o delicioso samba da “carta sincera” possa ser levado em um andamento um pouco menos acelerado, o que tornará a passagem da escola de Niterói mais leve e solta.
O quilombo nilopolitano ocupará a Sapucaí ao som inconfundível da voz de Neguinho da Beija-Flor impondo, mais uma vez, a força da comunidade que quase levou mais um título com o enredo de Alexandre Louzada “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor”.
Conhecida como a escola dos globais e do glamour, foi com a chegada de dois carnavalescos que estreavam no grupo Especial, Leonardo Bora e Gabriel Haddad, que a Grande Rio deu uma guinada na temática de seus enredos. Se voltou para o próprio universo, foi vice no último carnaval. Bateu, mais uma vez, na trave com o enredo sobre o famoso babalorixá Joãozinho da Goméia. O samba dizia: “Eu respeito seu amém, você respeita minha fé”.
Não por acaso o tema deste carnaval foi lançado no dia 13 de junho, dia do orixá Exu. A divindade é o senhor dos caminhos, a energia do movimento que a igreja sincretizou em demônio, em ser do mal. Desmistificar essa visão era um dos objetivos do enredo caxiense que levantou a Sapucaí. Levou o campeonato, o primeiro da Grande Rio.
O desfile das Campeãs do RJ será transmitido no sábado, pelo Multishow, a partir das 21:15h, horário de Brasília.
Ordem dos desfiles:
Salgueiro, Portela, Vila Isabel, Viradouro, Beija-Flor e Grande Rio.
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “É carnaval”, do SEM FIM… delcueto.wordpress.com