ESTAÇÃO CARNAVAL
Texto e foto de Valeria del Cueto
Respeitável público!
Por motivo de força maior tive que trocar (momentaneamente, espero) meu posto cativo de observadora da Ponta do Leme por um singelo lugar num vagão do metrô carioca.
E ainda tenho sorte! Podia ser pior, levando-se em conta que não consigo ler nem escrever num banco dos ônibus que, muito a contra gosto, em casos excepcionais, sou obrigada a tomar para me locomover entre um evento carnavalesco e outro.
A causa é, no mínimo, prosaica e insuperável: fico tão enjoada com o sacode-para-corre-freia e anda dos motoristas revoltados que a única coisa que consigo fazer, nestas circunstâncias, é me concentrar nas acrobacias motorizadas cometidas pelo condutor e achar que posso, assim, fazer minha agonia labirintitica passar mais rápido.
Por isso preferencialmente, vou de metrô. Aqui, o pior risco que corro é deixar a estação Arcoverde, em Copacabana, passar de tão concentrada estou na escrivinhação.
Quem sabe não descobri um outro ponto de observação a ser explorado? Já experimentou andar no metro em tempo de chuva? No frio ou no verão? As modas e os costumes passam diante dos seus olhos entre a sinalização que indica o passar das estações.
O que mais me diverte é o metrô carnavalesco. Esse, só existe aqui no Brasil. Um dia ainda vou passar uma parte do carnaval aqui em baixo, compartilhando as expectativas dos serem semi-fantasiados carregando enormes e desconjuntados sacos pretos recheados com o complemento de cabeças, ombreiras, e sejam lá quais forem os adereços que compõem o personagem criado pela imaginação superlativa dos carnavalescos.
Já vi macho de verdade vestido de galinha africana, fantasia de abridor de garrafa… O céu é o limite nos sonhos de milhares de componentes das alas que, para chegarem a Sapucaí, atravessam a cidade nos vagões do metrô.
Muita gente tentando decorar o samba, outros poupando energias para o desfile, a maioria se acabando na farra mesmo, com amigos e camaradas tão entusiasmados quanto. Todos preocupados em acomodarem, da melhor maneira possível, seus vastos pertences.
Central ou Praça XV? Correio ou Balança Mas Não Cai? Os vagões se esvaziam nas duas estações. Apenas por alguns segundos…
Embarcam em seguida os sobreviventes. Suados, excitados, esgotados. A maioria feliz e detonada. Valorizando um lugar para encostar e poder descansar as pernas trêmulas do esforço.
Todos se consideram grávidas, deficientes e idosos, merecedores dos acentos a eles destinados. Os adereços, antes tratados com cuidado, agora ficam largados de qualquer maneira. Isto os que voltaram, apostando na esperança de um novo desfile no sábado das campeãs.
O metrô vai despejando os foliões nas suas estações de origem. E, ao fazê-lo, abre suas portas para a próxima leva que virá, daqueles cheios de gás e animação, que seguem para a região da Praça XI ou da Central, loucos de vontade de pisarem na avenida e viverem o sonho de um carnaval na Sapucaí…
Até a última leva, na madrugada de terça feira gorda. Quando, então, quem entra nos vagões dos subúrbios, são os trabalhadores de mais um dia, na rotina que recomeça, depois que o carnaval passou…
Valéria del Cueto e jornalista e cineasta
liberado para reproducao com o devido credito da série É Carnaval