Imperatriz Leopoldinense, 6 colocada no carnaval 2015.

Fotos de Valéria del Cueto

AXÉ, NKENDA!
UM RITUAL DE LIBERDADE
E QUE A VOZ DA IGUALDADE SEJA SEMPRE A NOSSA VOZ!
Plants: image 1 0f 15 thumbImperatriz Leopoldinense
Carnavalesco: Cahê Rodrigues
Pesquisa e Texto: Marta Queiroz e Cláudio Vieira“Ninguém nasce odiando uma pessoa por sua cor de pele ou religião. Pessoas são ensinadas a odiar. E se elas aprendem a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.” – Nelson MandelaAxé!Ouçam a voz do vento. Prestem atenção no que ela tem a nos contar.Lembra do tempo em que as estrelas coroavam o nosso pensamento e, com ele, começavam a brilhar.

Nossos ancestrais conviviam em harmonia com a natureza e a sabedoria dos animais. Construíram uma gigantesca família, se espalharam pelo mundo e, por onde passavam, abriam novos caminhos para semear o amor e a paz.

Naquele tempo, não havia longe, nem perto; nem errado, nem certo; e reinava uma exuberante floresta onde, hoje, padece o maior de todos os desertos.

Caminhando pela savana, reunidos em torno da fogueira, celebrávamos a chegada e a partida, como se o direito de ir e vir fosse uma certeza prometida.

Baobá, árvore querida… Aprendemos a cantar, o segredo da rima, rimando a pureza das palavras com a beleza da melodia: alegria com nobreza, mistérios com fantasia.

Baobá, árvore querida… Conduz nosso canto até onde moram os deuses do infinito. E que eles cubram com o manto da noite o ventre de Mãe África, onde dormem as matrizes da vida.

África, Triângulo Sagrado, banhado por um oceano de cada lado.

Ao Norte, o próspero Mediterrâneo; a Leste, o reluzente Índico; a oeste, o tenebroso Atlântico.

Ao Norte, entre o mar e o Saara, brotaram as suas primeiras civilizações, verdadeiras joias-raras: o esplendor do Egito, o empreendedor Cartago e o Marrocos de Alah.

A Leste, velas tremulavam, salpicando o mar. Traziam sedas da China, tapetes da Pérsia e temperos da Índia. Do Reino do Sudão levavam o ouro e outros metais preciosos.

Entre os paralelos do Equador, existe uma majestosa floresta, onde o homem não se cansa de tirar, nem os deuses se cansam de repor.

Além de árvores, plantas e espécies fantásticas, existem rios e cachoeiras que os nossos olhos são poucos para admirar. Não existe na Terra, tamanha diversidade, incrível quantidade de vegetais e animais – embora, não faça muito tempo, houvesse muito mais.

São Zulus, Massais, Bantos, Mossis, Bokongos e Hauçás clamando por liberdade e paz!
Os mistérios da Natureza vão além da compreensão. Explode o raio, grita o trovão, a cheia inunda o vale, a terra vomita fogo pela boca do vulcão. A cachoeira chora, a lua cheia anuncia que algo acontecerá antes do raiar do dia. Ao som de tambores, lendas, mistérios, curas e magia constroem mitos e aventuras, cultos e culturas. Essa é a nossa liturgia.

Vivemos numa terra de contrastes permanentes. O mais velho dos continentes possui a população mais jovem do planeta – com sonhos ainda latentes.

Também pudera… Nenhum outro continente sofreu tantas transformações, tantas violações, em tão pouco tempo!
Nossos guerreiros não conseguiram impedir a marcha do invasor. Suas preces foram sufocadas pelos canhões.
Perdemos nossos bens, muitas vidas, dialetos e nações. O pranto foi pouco para tanta dor…

Fomos submetidos aos mais diferentes tipos de colonialismo. Aprendemos as mais contundentes formas de respeitar o “senhor”. A pior delas foi o racismo – linha reta entre quem manda e é mandado.

Nos impuseram uma nova etnia, religiões, obrigações, devoções e economia. Fomos escravizados à tecnologia, em nome de um mundo “civilizado”.

Pelas janelas do Atlântico, nossos olhos ainda choram amargas lembranças, vendo nossos irmãos partirem para terras desconhecidas. Não houve despedida, nenhuma notícia, nenhuma esperança.

Uma delas fica do outro lado do oceano e se chama Brasil. É uma terra muito parecida com a nossa: tem florestas, praias, muitos rios, clima quente, clima frio, gente que ginga, brinca e que também faz festa na roça.

Irmãos do Congo, Angola, Daomé, Gaô e Jané foram levados para lá. Carregaram na lembrança nossos deuses, nossas danças, nossa música, bebidas e comilanças, misturando nosso sangue ao brasileiro. É por isso que eles são tão festeiros.

Não fazem uma roda sem que haja um tambor, berimbau, reco-reco e agogô. Cantam em iorubá, rimam em nagô e começam a sambar. O que era uma roda vira festa, colorindo o país de Norte a Sul. Vem maracatu… boi-bumbá, congada, capoeira, reisado, umbigada, é jongo a noite inteira.

Como num rap, ou num partido-alto, criam vários sentidos com a magia das palavras…

Acarajé, quibebe, munguzá,
Caruru, abrazô, vatapá…

“Gererê, sarará, cururu
Olerê!
Balá-blá-blá, bafafá, sururu.
Olará!”

E vejam só que interessante… Depois das lágrimas de uma chegada angustiante, nasceram festas e folias que alegram o povo até os nossos dias.

Nossos irmãos rezavam para os deuses que não eram seus. Cantavam músicas que não eram suas. E fechavam as procissões que se arrastavam pelas ruas.

Foi assim que aprenderam a desfilar. Nasceram irmandades de bambas, organizadas como verdadeiras Escolas de Samba! Que, aliás, são Escolas de Cultura e Arte Africanas!

Nelas se aprende as coisas mais elementares da vida: Por exemplo… uma banana, subvertida como símbolo de racismo, na verdade é o africanismo mais popular do Brasil… E se não devemos dar asas para o mal, podemos transformá-lo numa brincadeira de carnaval. Que tal?

Cantemos a LIBERDADE! E para que ela abrisse as asas sobre nós, tivemos que ser fortes de verdade. Aprendemos com Zumbi, com os Malês, Manoel Congo, João Cândido e outros irmãos que já não estão aqui. Mas deixaram um caminho a seguir.

Aprendi que a vida é um permanente ritual de liberdade. Lutando por justiça, movimentos se espalharam pelo mundo inteiro. Estão documentados nos livros, no cinema, no teatro, na música, nas artes plásticas, nos grafites, por toda parte. Foi por ela que dediquei toda a minha existência. E faria tudo novamente.

Para que esta mensagem fosse tão transparente como as nossas águas, buscamos um caminho sem mágoas, procurando sempre a simplicidade. É como a África, mãe de tantas diversidades, lutando sempre por justiça. Foi a forma que encontramos para mostrar a verdade.

Precisamos semear nos livros, nas escolas, nas mentes e nos corações.

Precisamos reconstruir o continente africano e a mentalidade de muitos. Precisamos escrever uma nova História de Vida, pontuada de ações humanas, fraternas e solidárias!

Precisamos despertar em nossos irmãos, o mais difícil de todos os desejos: o de aprender a amar. Para que, então, a voz da igualdade seja sempre a nossa voz

Este será o nosso maior desafio.

Axé, Nkenda!

Nelson Mandela
Céu – Departamento da África do Sul, Mvezo

GLOSSÁRIO

NKENDA – Amor, segundo o Kimbundu, língua africana falada no Noroeste de Angola.
BAOBÁ (Andansonia digitata) – Também chamado de embondeiro. Árvore que pode atingir 25 m de altura e 7 m de diâmetro. É a árvore nacional de Madagascar, emblema do Senegal e considerada sagrada em todo o continente africano.
ZULUS, MASSAIS, BANTOS, MOSSIS, BOKONGOS e HAUÇÁS – Algumas das mais tradicionais etnias africanas.
Acarajé, quibebe, munguzá, caruru, abrazô, vatapá – Comidas e iguarias da culinária africana.
“Gererê, sarará, cururu/ Olerê!/ Balá-blá-blá, bafafá, sururu/ Olará!” – trecho da letra de “Querelas do Brasil”, música de Maurício Tapajós e Aldir Blanc, gravada por Elis Regina.

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O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Imperatriz Leopoldinense, 6 colocada no carnaval 2015.

Fotos de Valéria del Cueto

AXÉ, NKENDA!
UM RITUAL DE LIBERDADE
E QUE A VOZ DA IGUALDADE SEJA SEMPRE A NOSSA VOZ!
Plants: image 1 0f 15 thumbImperatriz Leopoldinense
Carnavalesco: Cahê Rodrigues
Pesquisa e Texto: Marta Queiroz e Cláudio Vieira“Ninguém nasce odiando uma pessoa por sua cor de pele ou religião. Pessoas são ensinadas a odiar. E se elas aprendem a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.” – Nelson MandelaAxé!Ouçam a voz do vento. Prestem atenção no que ela tem a nos contar.Lembra do tempo em que as estrelas coroavam o nosso pensamento e, com ele, começavam a brilhar.

Nossos ancestrais conviviam em harmonia com a natureza e a sabedoria dos animais. Construíram uma gigantesca família, se espalharam pelo mundo e, por onde passavam, abriam novos caminhos para semear o amor e a paz.

Naquele tempo, não havia longe, nem perto; nem errado, nem certo; e reinava uma exuberante floresta onde, hoje, padece o maior de todos os desertos.

Caminhando pela savana, reunidos em torno da fogueira, celebrávamos a chegada e a partida, como se o direito de ir e vir fosse uma certeza prometida.

Baobá, árvore querida… Aprendemos a cantar, o segredo da rima, rimando a pureza das palavras com a beleza da melodia: alegria com nobreza, mistérios com fantasia.

Baobá, árvore querida… Conduz nosso canto até onde moram os deuses do infinito. E que eles cubram com o manto da noite o ventre de Mãe África, onde dormem as matrizes da vida.

África, Triângulo Sagrado, banhado por um oceano de cada lado.

Ao Norte, o próspero Mediterrâneo; a Leste, o reluzente Índico; a oeste, o tenebroso Atlântico.

Ao Norte, entre o mar e o Saara, brotaram as suas primeiras civilizações, verdadeiras joias-raras: o esplendor do Egito, o empreendedor Cartago e o Marrocos de Alah.

A Leste, velas tremulavam, salpicando o mar. Traziam sedas da China, tapetes da Pérsia e temperos da Índia. Do Reino do Sudão levavam o ouro e outros metais preciosos.

Entre os paralelos do Equador, existe uma majestosa floresta, onde o homem não se cansa de tirar, nem os deuses se cansam de repor.

Além de árvores, plantas e espécies fantásticas, existem rios e cachoeiras que os nossos olhos são poucos para admirar. Não existe na Terra, tamanha diversidade, incrível quantidade de vegetais e animais – embora, não faça muito tempo, houvesse muito mais.

São Zulus, Massais, Bantos, Mossis, Bokongos e Hauçás clamando por liberdade e paz!
Os mistérios da Natureza vão além da compreensão. Explode o raio, grita o trovão, a cheia inunda o vale, a terra vomita fogo pela boca do vulcão. A cachoeira chora, a lua cheia anuncia que algo acontecerá antes do raiar do dia. Ao som de tambores, lendas, mistérios, curas e magia constroem mitos e aventuras, cultos e culturas. Essa é a nossa liturgia.

Vivemos numa terra de contrastes permanentes. O mais velho dos continentes possui a população mais jovem do planeta – com sonhos ainda latentes.

Também pudera… Nenhum outro continente sofreu tantas transformações, tantas violações, em tão pouco tempo!
Nossos guerreiros não conseguiram impedir a marcha do invasor. Suas preces foram sufocadas pelos canhões.
Perdemos nossos bens, muitas vidas, dialetos e nações. O pranto foi pouco para tanta dor…

Fomos submetidos aos mais diferentes tipos de colonialismo. Aprendemos as mais contundentes formas de respeitar o “senhor”. A pior delas foi o racismo – linha reta entre quem manda e é mandado.

Nos impuseram uma nova etnia, religiões, obrigações, devoções e economia. Fomos escravizados à tecnologia, em nome de um mundo “civilizado”.

Pelas janelas do Atlântico, nossos olhos ainda choram amargas lembranças, vendo nossos irmãos partirem para terras desconhecidas. Não houve despedida, nenhuma notícia, nenhuma esperança.

Uma delas fica do outro lado do oceano e se chama Brasil. É uma terra muito parecida com a nossa: tem florestas, praias, muitos rios, clima quente, clima frio, gente que ginga, brinca e que também faz festa na roça.

Irmãos do Congo, Angola, Daomé, Gaô e Jané foram levados para lá. Carregaram na lembrança nossos deuses, nossas danças, nossa música, bebidas e comilanças, misturando nosso sangue ao brasileiro. É por isso que eles são tão festeiros.

Não fazem uma roda sem que haja um tambor, berimbau, reco-reco e agogô. Cantam em iorubá, rimam em nagô e começam a sambar. O que era uma roda vira festa, colorindo o país de Norte a Sul. Vem maracatu… boi-bumbá, congada, capoeira, reisado, umbigada, é jongo a noite inteira.

Como num rap, ou num partido-alto, criam vários sentidos com a magia das palavras…

Acarajé, quibebe, munguzá,
Caruru, abrazô, vatapá…

“Gererê, sarará, cururu
Olerê!
Balá-blá-blá, bafafá, sururu.
Olará!”

E vejam só que interessante… Depois das lágrimas de uma chegada angustiante, nasceram festas e folias que alegram o povo até os nossos dias.

Nossos irmãos rezavam para os deuses que não eram seus. Cantavam músicas que não eram suas. E fechavam as procissões que se arrastavam pelas ruas.

Foi assim que aprenderam a desfilar. Nasceram irmandades de bambas, organizadas como verdadeiras Escolas de Samba! Que, aliás, são Escolas de Cultura e Arte Africanas!

Nelas se aprende as coisas mais elementares da vida: Por exemplo… uma banana, subvertida como símbolo de racismo, na verdade é o africanismo mais popular do Brasil… E se não devemos dar asas para o mal, podemos transformá-lo numa brincadeira de carnaval. Que tal?

Cantemos a LIBERDADE! E para que ela abrisse as asas sobre nós, tivemos que ser fortes de verdade. Aprendemos com Zumbi, com os Malês, Manoel Congo, João Cândido e outros irmãos que já não estão aqui. Mas deixaram um caminho a seguir.

Aprendi que a vida é um permanente ritual de liberdade. Lutando por justiça, movimentos se espalharam pelo mundo inteiro. Estão documentados nos livros, no cinema, no teatro, na música, nas artes plásticas, nos grafites, por toda parte. Foi por ela que dediquei toda a minha existência. E faria tudo novamente.

Para que esta mensagem fosse tão transparente como as nossas águas, buscamos um caminho sem mágoas, procurando sempre a simplicidade. É como a África, mãe de tantas diversidades, lutando sempre por justiça. Foi a forma que encontramos para mostrar a verdade.

Precisamos semear nos livros, nas escolas, nas mentes e nos corações.

Precisamos reconstruir o continente africano e a mentalidade de muitos. Precisamos escrever uma nova História de Vida, pontuada de ações humanas, fraternas e solidárias!

Precisamos despertar em nossos irmãos, o mais difícil de todos os desejos: o de aprender a amar. Para que, então, a voz da igualdade seja sempre a nossa voz

Este será o nosso maior desafio.

Axé, Nkenda!

Nelson Mandela
Céu – Departamento da África do Sul, Mvezo

GLOSSÁRIO

NKENDA – Amor, segundo o Kimbundu, língua africana falada no Noroeste de Angola.
BAOBÁ (Andansonia digitata) – Também chamado de embondeiro. Árvore que pode atingir 25 m de altura e 7 m de diâmetro. É a árvore nacional de Madagascar, emblema do Senegal e considerada sagrada em todo o continente africano.
ZULUS, MASSAIS, BANTOS, MOSSIS, BOKONGOS e HAUÇÁS – Algumas das mais tradicionais etnias africanas.
Acarajé, quibebe, munguzá, caruru, abrazô, vatapá – Comidas e iguarias da culinária africana.
“Gererê, sarará, cururu/ Olerê!/ Balá-blá-blá, bafafá, sururu/ Olará!” – trecho da letra de “Querelas do Brasil”, música de Maurício Tapajós e Aldir Blanc, gravada por Elis Regina.

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Imperatriz Leopoldinense, 6 colocada no carnaval 2015.

Fotos de Valéria del Cueto

AXÉ, NKENDA!
UM RITUAL DE LIBERDADE
E QUE A VOZ DA IGUALDADE SEJA SEMPRE A NOSSA VOZ!
Plants: image 1 0f 15 thumbImperatriz Leopoldinense
Carnavalesco: Cahê Rodrigues
Pesquisa e Texto: Marta Queiroz e Cláudio Vieira“Ninguém nasce odiando uma pessoa por sua cor de pele ou religião. Pessoas são ensinadas a odiar. E se elas aprendem a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.” – Nelson MandelaAxé!Ouçam a voz do vento. Prestem atenção no que ela tem a nos contar.Lembra do tempo em que as estrelas coroavam o nosso pensamento e, com ele, começavam a brilhar.

Nossos ancestrais conviviam em harmonia com a natureza e a sabedoria dos animais. Construíram uma gigantesca família, se espalharam pelo mundo e, por onde passavam, abriam novos caminhos para semear o amor e a paz.

Naquele tempo, não havia longe, nem perto; nem errado, nem certo; e reinava uma exuberante floresta onde, hoje, padece o maior de todos os desertos.

Caminhando pela savana, reunidos em torno da fogueira, celebrávamos a chegada e a partida, como se o direito de ir e vir fosse uma certeza prometida.

Baobá, árvore querida… Aprendemos a cantar, o segredo da rima, rimando a pureza das palavras com a beleza da melodia: alegria com nobreza, mistérios com fantasia.

Baobá, árvore querida… Conduz nosso canto até onde moram os deuses do infinito. E que eles cubram com o manto da noite o ventre de Mãe África, onde dormem as matrizes da vida.

África, Triângulo Sagrado, banhado por um oceano de cada lado.

Ao Norte, o próspero Mediterrâneo; a Leste, o reluzente Índico; a oeste, o tenebroso Atlântico.

Ao Norte, entre o mar e o Saara, brotaram as suas primeiras civilizações, verdadeiras joias-raras: o esplendor do Egito, o empreendedor Cartago e o Marrocos de Alah.

A Leste, velas tremulavam, salpicando o mar. Traziam sedas da China, tapetes da Pérsia e temperos da Índia. Do Reino do Sudão levavam o ouro e outros metais preciosos.

Entre os paralelos do Equador, existe uma majestosa floresta, onde o homem não se cansa de tirar, nem os deuses se cansam de repor.

Além de árvores, plantas e espécies fantásticas, existem rios e cachoeiras que os nossos olhos são poucos para admirar. Não existe na Terra, tamanha diversidade, incrível quantidade de vegetais e animais – embora, não faça muito tempo, houvesse muito mais.

São Zulus, Massais, Bantos, Mossis, Bokongos e Hauçás clamando por liberdade e paz!
Os mistérios da Natureza vão além da compreensão. Explode o raio, grita o trovão, a cheia inunda o vale, a terra vomita fogo pela boca do vulcão. A cachoeira chora, a lua cheia anuncia que algo acontecerá antes do raiar do dia. Ao som de tambores, lendas, mistérios, curas e magia constroem mitos e aventuras, cultos e culturas. Essa é a nossa liturgia.

Vivemos numa terra de contrastes permanentes. O mais velho dos continentes possui a população mais jovem do planeta – com sonhos ainda latentes.

Também pudera… Nenhum outro continente sofreu tantas transformações, tantas violações, em tão pouco tempo!
Nossos guerreiros não conseguiram impedir a marcha do invasor. Suas preces foram sufocadas pelos canhões.
Perdemos nossos bens, muitas vidas, dialetos e nações. O pranto foi pouco para tanta dor…

Fomos submetidos aos mais diferentes tipos de colonialismo. Aprendemos as mais contundentes formas de respeitar o “senhor”. A pior delas foi o racismo – linha reta entre quem manda e é mandado.

Nos impuseram uma nova etnia, religiões, obrigações, devoções e economia. Fomos escravizados à tecnologia, em nome de um mundo “civilizado”.

Pelas janelas do Atlântico, nossos olhos ainda choram amargas lembranças, vendo nossos irmãos partirem para terras desconhecidas. Não houve despedida, nenhuma notícia, nenhuma esperança.

Uma delas fica do outro lado do oceano e se chama Brasil. É uma terra muito parecida com a nossa: tem florestas, praias, muitos rios, clima quente, clima frio, gente que ginga, brinca e que também faz festa na roça.

Irmãos do Congo, Angola, Daomé, Gaô e Jané foram levados para lá. Carregaram na lembrança nossos deuses, nossas danças, nossa música, bebidas e comilanças, misturando nosso sangue ao brasileiro. É por isso que eles são tão festeiros.

Não fazem uma roda sem que haja um tambor, berimbau, reco-reco e agogô. Cantam em iorubá, rimam em nagô e começam a sambar. O que era uma roda vira festa, colorindo o país de Norte a Sul. Vem maracatu… boi-bumbá, congada, capoeira, reisado, umbigada, é jongo a noite inteira.

Como num rap, ou num partido-alto, criam vários sentidos com a magia das palavras…

Acarajé, quibebe, munguzá,
Caruru, abrazô, vatapá…

“Gererê, sarará, cururu
Olerê!
Balá-blá-blá, bafafá, sururu.
Olará!”

E vejam só que interessante… Depois das lágrimas de uma chegada angustiante, nasceram festas e folias que alegram o povo até os nossos dias.

Nossos irmãos rezavam para os deuses que não eram seus. Cantavam músicas que não eram suas. E fechavam as procissões que se arrastavam pelas ruas.

Foi assim que aprenderam a desfilar. Nasceram irmandades de bambas, organizadas como verdadeiras Escolas de Samba! Que, aliás, são Escolas de Cultura e Arte Africanas!

Nelas se aprende as coisas mais elementares da vida: Por exemplo… uma banana, subvertida como símbolo de racismo, na verdade é o africanismo mais popular do Brasil… E se não devemos dar asas para o mal, podemos transformá-lo numa brincadeira de carnaval. Que tal?

Cantemos a LIBERDADE! E para que ela abrisse as asas sobre nós, tivemos que ser fortes de verdade. Aprendemos com Zumbi, com os Malês, Manoel Congo, João Cândido e outros irmãos que já não estão aqui. Mas deixaram um caminho a seguir.

Aprendi que a vida é um permanente ritual de liberdade. Lutando por justiça, movimentos se espalharam pelo mundo inteiro. Estão documentados nos livros, no cinema, no teatro, na música, nas artes plásticas, nos grafites, por toda parte. Foi por ela que dediquei toda a minha existência. E faria tudo novamente.

Para que esta mensagem fosse tão transparente como as nossas águas, buscamos um caminho sem mágoas, procurando sempre a simplicidade. É como a África, mãe de tantas diversidades, lutando sempre por justiça. Foi a forma que encontramos para mostrar a verdade.

Precisamos semear nos livros, nas escolas, nas mentes e nos corações.

Precisamos reconstruir o continente africano e a mentalidade de muitos. Precisamos escrever uma nova História de Vida, pontuada de ações humanas, fraternas e solidárias!

Precisamos despertar em nossos irmãos, o mais difícil de todos os desejos: o de aprender a amar. Para que, então, a voz da igualdade seja sempre a nossa voz

Este será o nosso maior desafio.

Axé, Nkenda!

Nelson Mandela
Céu – Departamento da África do Sul, Mvezo

GLOSSÁRIO

NKENDA – Amor, segundo o Kimbundu, língua africana falada no Noroeste de Angola.
BAOBÁ (Andansonia digitata) – Também chamado de embondeiro. Árvore que pode atingir 25 m de altura e 7 m de diâmetro. É a árvore nacional de Madagascar, emblema do Senegal e considerada sagrada em todo o continente africano.
ZULUS, MASSAIS, BANTOS, MOSSIS, BOKONGOS e HAUÇÁS – Algumas das mais tradicionais etnias africanas.
Acarajé, quibebe, munguzá, caruru, abrazô, vatapá – Comidas e iguarias da culinária africana.
“Gererê, sarará, cururu/ Olerê!/ Balá-blá-blá, bafafá, sururu/ Olará!” – trecho da letra de “Querelas do Brasil”, música de Maurício Tapajós e Aldir Blanc, gravada por Elis Regina.

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