ILUSTRADO DOMINGO    JULHO 2009

Quando digo para algumas pessoas que sou formada em Gestão de Eventos e Festas Carnavalescas me preparo para duas possíveis reações: a primeira de espanto, a segunda de ironia, desprezo. Esta última é a mais comum.

Um dia, um conhecido mais gozador disse que o curso que escolhi é da mesma área e se equipara ao de fiscal da natureza – era assim que se referiam aos mais contemplativos ou aos esportistas que passavam o dia na praia surfando. Hoje, ser fiscal da natureza é uma missão para especialistas que não usam esta nomenclatura, mas avaliam, previnem e lutam contra as mazelas naturais que passam diante dos nossos olhos a cada dia. É, sem dúvida, uma tarefa difícil. Cada vez mais necessária, nos nossos tempos de “quero meu”, os outros que se danem.

Normalmente perdôo os ignorantes e relevo a falta de conhecimento implícito em tão preconceituoso julgamento em relação aos meus cada vez mais profundos estudos.

O fazer do carnaval é uma indústria que traz para o Rio de Janeiro em torno de 1 bilhão por ano e incrementa em mais de 10% os índices de emprego durante os meses de verão na região. Satisfeitos os economistas, vamos ao que me interessa.

Fazer a folia é uma arte que envolve muitos sentidos e exige uma gama de conhecimentos tão diversa que só quem ignora sua complexidade pode achar engraçado ou vagabundagem a dedicação que dispenso ao fenômeno que é a construção de um carnaval.
Para desenvolvê-lo são essenciais muitos fatores: criatividade, planejamento, disciplina, gestão e muita, muita paixão. Em alguns momentos outro elemento se faz indispensável: a capacidade de superação que só o amor incondicional proporciona.

Quem pensa que o vírus que contamina milhares de pessoas que se dedicam ao carnaval só se manifesta as vésperas dos dias em que acontece a folia está muito enganado.

Carnaval se pratica o ano inteiro nas comunidades e quadras espalhadas pela região metropolitana fluminense; nos barracões da Cidade do Samba e da região do cais do porto carioca no período em que se desenvolve e constrói o que será apresentado na avenida.

Se pudesse ficaria o dia inteiro, o ano inteiro registrando esse processo hercúleo, composto de muito mais do que os 12 trabalhos propostos e bravamente superados pelo semideus.

Talvez seja esta a essência do povo do carnaval. Eles, como os deuses, realizam o milagre da festa e, como homens, se desesperam quando vêem seus sonhos e projetos se desmanchando diante do acaso ou da fatalidade.

Como semideuses se reerguem com sua força inesgotável e, apesar do sofrimento, da dor e do trabalho descomunal a ser realizado no curto espaço de tempo que nos separa da festa, no dia do desfile, ao entrarem na avenida, vestidos como puderem, trazendo as alegorias que conseguirem preparar, baterão no peito, honrando o nome da paixão que faz cada homem e mulher ali presente, parte do povo do carnaval.

Um povo composto por seres que devem ser admirados e respeitados por seu amor incondicional à sua bandeira, às suas cores e à sua comunidade. Amor que não começa num domingo para se acabar na quarta feira, mas está dentro dele, durante todo o inteiro, por sua vida inteira.

Como diria Mestre Marçal, é com eles e por eles que estou “junta e misturada”, orgulhosamente registrando os momentos bons e ruins desta história de superação, sucesso, alegria e paixão.

Força e coragem ao povo do carnaval para, mais uma vez, fazer renascer das cinzas o sonho de tantos de cada dia!

* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Este artigo faz parte da série Ponta do Leme, do SEM FIM

ILUSTRADO DOMINGO    JULHO 2009

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