Desfile no Sambódromo de Escolas Mirins é um celeiro de bambas, revelando talentos e fortalecendo a identidade do carnaval carioca
Texto e fotos de Valéria del Cueto, foto do desfile de Marcelo O’Reilly
Quem vai numa quadra de escola de samba carioca, em qualquer horário, sempre se surpreende com a quantidade de crianças de todas as idades que circulam no local. As quadras são espaços familiares onde filhos e pais, avôs e netos se reúnem para celebrar. Em comunidade.
É muito interessante ver como as crianças ocupam estes espaços e se integram nos diversos segmentos que ali circulam: passistas, ritmistas, alas… Assim crescem os sambistas de amanhã. Cheios de atitude e amparados pela proximidade com os bambas de ontem e hoje. Com muito respeito.
Estes laços são essenciais para que a cultura do samba carioca se fortaleça e se expanda para o futuro. Com o passar do tempo, eles foram se aprimorando e se interligando. Assim como a bateria verde e rosa é dirigida pelos Meninos da Mangueira mais espaços foram ocupados pelos herdeiros do samba. Outro caso da escola é o de Evelyn Bastos que assumiu, em 2013, aos 19 anos, o posto de rainha de Bateria da Mangueira. Ela já estava acostumada ao ritual do cargo. Havia reinado na escola mirim, a Mangueira do Amanhã.
Império do Futuro, Filhos da Águia, Pimpolhos da Grande Rio, Infantes do Lins, Tijuquinha do Borel, Miúda da Cabuçu, Corações Unidos do Ciep, Petizes da Penha, Ainda Existem Crianças na Vila Kennedy, Aprendizes do Salgueiro, Inocentes da Caprichosos, Nova Geração da Estácio de Sá, Herdeiros da Vila, Planeta Golfinhos da Guanabara e Estrelinha da Mocidade. 16 agremiações trazem em seus nomes as bases da preservação das tradições do elemento principal do carnaval carioca: as escolas de samba.
Imagine uma Marquês de Sapucaí inteira para as crianças. Uma escola de samba de crianças. Um desfile com 16 agremiações, delas! Onde poderia existir? No Rio de Janeiro, é claro. Acontece na terça feira de carnaval, entre 17 horas e – impreterivelmente – meia noite. Exigência do Juizado de Menores. Nesse intervalo, a pista é principal é das Mirins.
Elas são uma perna do conceito de sustentabilidade por meio de reaproveitamento dos descartes do carnaval. Nelas se reutiliza parte do material do ano anterior das escolas-mães para fazer fantasias e carros alegóricos. Eles são produzidos pelos adultos (o manuseio do material é perigoso) que ajudam como podem no desfile mirim. É comum encontrar pela pista figuras exponenciais do mundo do carnaval. Eles participaram de mais essa iniciativa de valorização.
As escolas de samba tinham uma ala mirim no desfile, mas isso não era o bastante. Em 1979, ano Internacional da Criança, Arande Cardoso dos Santos, o Careca, do Império Serrano, teve a ideia. Levou 4 anos para concretiza-la: criar uma escola de samba formada por crianças e jovens onde elas recebessem os ensinamentos, conhecessem os personagens e estudassem os fundamentos da maior manifestação popular brasileira. Surgia o “Império do Futuro”, a primeira semente estava semeada.
A iniciativa recebeu apoio de personalidades como Alcione, Beth Carvalho e Martinho da Vila. Osmar Valença funda a “Alegria da Passarela” que gerou frutos como os irmãos Lucinha e Dudu Nobre. Ela, porta bandeira da Portela, e ele, cantor e compositor de sambas, inclusive de enredo. O cantor Leornardo Bessa também é cria de lá, surgindo com o apelido de Leonardo Alegria.
Muita gente boa embarcou na iniciativa. A Secretaria Estadual de Educação desenvolveu, com alunos e professores da Escola Municipal Ministro Gama filho, o projeto que criou o “Império das Princesas Negras”, embrião da “Corações Unidos do Ciep”. Dinorah, Xangô da Mangueira e Machine também fundam escolas: “Mangueira do Amanhã”, “Herdeiros da Vila”, “Aprendizes do Salgueiro”, “Flor do Amanhã”… Hoje, as escolas desfilam com 1.500 crianças, em média. Como nas agremiações de gente grande o desfile teve que ser organizado. Tarefa da AESM- Rio – Associação das Escolas Mirins do Rio de Janeiro que reúne as agremiações.
Outra peculiaridade são os enredos voltados para o público-alvo do evento. Seus títulos falam por si só: “O que é que o Aprendizes tem? Tem Carmem Miranda tem!”, “E o meu Brasil tem Chica Chica Boom!”, “O mestre do Samba” (Paulo da Portela), “Rio Maravilha, nós gostamos de vocês!”, “Se essa avenida fosse minha, eu mandava iluminar com as cores das escolas para a garotada desfilar!”, “Rios, mares e cascatas, onde estão as nossas matas”, “Meu Guri – A Imagem da Criança do Meu Brasil”, “Direito é direito”, “Penha: um canto de amor a vida na voz da nossa petizada” “Portal das delícias, uma saborosa viagem ao redor do mundo”, “Era uma vez, um menino de cabelo de algodão”
Nada escapa ao olhar infantil. Nem “Cuiabá”, enredo no carnaval 2014 da “Infantes do Lins”. Surpresa? Afinal, éramos uma das sedes da Copa do Mundo…
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “É carnaval”, do SEM FIM… delcueto.wordpress.com