Valei-nos São Jorge! Um carnaval pra você.
Texto e fotos de Valéria del Cueto
Desfile de Escolas de Samba no feriado dedicado a São Jorge e ao Choro, no Rio de Janeiro.
Se alguém contasse, dariam risada da ideia (aparentemente) impossível… Após um ano e outro fevereiro perdido, a disputa carnavalesca carioca de 2022 se realiza nos dias 22 e 23 de abril. Vem depois do descobrimento do Brasil que passou em ritmo das apresentações do Grupo Ouro, o acesso, abrindo os trabalhos da pista do Sambódromo da Marquês de Sapucaí desde quarta-feira.
Ensaio técnicos, o povo do samba na pista
O Desfile do Grupo Especial das Escolas de Samba do Rio de Janeiro já chega com mudanças significativas. Depois da realização do mini desfile de lançamento na Cidade do Samba, em fevereiro, março entrou com a volta dos ensaios técnicos nos finais de semana no Sambódromo, como há anos não acontecia!
Os encontros coroaram o calendário prolongado por mais de 40 dias de preparação nos ensaios das quadras das escolas e ruas das comunidades. Ensaios de canto, bateria, dos segmentos. Como o casal de mestre-sala e porta-bandeira, a comissão de frente, as alas coreografadas. Carnaval não se faz da noite para o dia, o povo do samba trabalha o ano inteiro!
Pista? Sim. Rua, não…
Estão todos ansiosos para botar o bloco na rua. Quer dizer, as escolas na Sapucaí. Porque os primeiros, os blocos, oficialmente não ocuparão as ruas novamente, apesar dos apelos feitos ao prefeito Eduardo Paes. Ele justificou a negativa à realização da folia dizendo que “dá trabalho” montar a estrutura carioca. Fica a pergunta: quem nasceu primeiro, a festa ou a organização? A resposta está nas ruas da cidade.
Luz, sim. Som? Não…
Também foram feitas mudanças por muitos carnavais adiadas, apesar de exigidas inclusive pelo Ministério Público, na área do Sambódromo. A pista da Marquês de Sapucaí foi recapeada, depois das obras de drenagem e saneamento, a estrutura reformada. A novidade mais chamativa é a nova iluminação cenográfica. Por enquanto os recursos serão usados nos intervalos das apresentações.
A maior reivindicação de todos os frequentadores da Sapucaí, no entanto, segue sem ser atendida. O som da avenida continua precário. Nele, deveriam ser aplicados os esforços para melhorar o espetáculo. Ele, sim, faz parte e interfere na qualidade da maior manifestação cultural do Brasil.
Enfim, era agora ou nunca, como desse, quem pudesse. E, cá pra nós, as escolas e suas comunidades estão ansiosas para ocuparem a pista!
Para quem quiser acompanhar os dois dias de maratona carnavalesca carioca serão transmitidos pela TV Globo, após o horário nobre, e pelo Globoplay a partir das 22 horas. A dica, como sempre, é ver pela TV ouvindo os comentários pelas rádios. A TupiFM – 96.5, por exemplo, segue as imagens com comentaristas como Fábio Fabato e João Gustavo Melo, do canal do youtube Boi com Abóbora, um fenômeno carnavalesco durante a pandemia. Veja no final do texto a ordem das apresentações.
Sexta-feira, 22 de abril
A primeira noite será aberta pela Imperatriz Leopoldinense, campeã do Grupo Ouro 2020. Voltando do acesso a verde e branco convocou Rosa Magalhães para lembrar os carnavais de Arlindo Rodrigues, os tempos áureos de escola de Ramos e seu patrono, Luizinho Drummond, com o enredo “Meninos eu vivi… Onde canta o sabiá, onde cantam Dalva & Lamartine”. Um diferencial é o samba ter um único autor, Gabriel Melo.
“Se a saudade é certeza / Um dia a tristeza será cicatriz / Eterna seja! Amada Imperatriz!”
Com “Angenor, José & Laurindo” Leandro Vieira também conduz os componentes da Mangueira, a segunda agremiação a se apresentar, a um mergulho na própria identidade abordando ícones da comunidade. Cartola, Jamelão e Delegado representam a poesia, a voz e o corpo em movimento verde e rosa. Esse é um dos sambas de Moacyr Luz que estarão na Sapucaí. Ele também está na parceria do Paraíso do Tuiuti que abre o segundo dia de desfiles.
“Mangueira… teu cenário é poesia / Liberdade e autonomia / Que o negro conquistou”
O Salgueiro também se volta para seus pilares com o enredo de Alex de Souza “Resistência”. Viviane Araújo, rainha da bateria Furiosa, anunciou recentemente sua gravidez e personifica os versos do samba-enredo.
“Sambo pra resistir / Semba meus ancestrais / Samba pelos carnavais”
O comediante Paulo Gustavo é o homenageado da São Clemente em “Minha vida é uma peça!”. Desenvolvido por Tiago Martins o tema traz, acima de tudo, uma mensagem de esperança, otimismo e apoio à diversidade.
“Rir é resistir, seguir em frente / Paulo Gustavo pra sempre”
Campeã do último carnaval, a Viradouro foi uma das primeiras escolas a anunciar seu enredo logo depois do início da pandemia. “Não há tristeza que possa suportar tanta Alegria”,deMarcus Ferreira e Tarcísio Zanon, aborda o carnaval de 1919, o primeiro após a epidemia da gripe espanhola.
O samba causou polêmica nos meios carnavalescos por ser em forma de… carta! O cantor Zé Paulo Sierra e Mestre Ciça estão se preparando para tentar o bi-campeonato apoiados pela comunidade niteroiense, a que bancou a ousadia para declarar o amor do pierrô à sua colombina e à folia.
Encostei os lábios suavemente / E te beijei na alegria sem fim / Carnaval, te amo, na vida és tudo pra mim
Alexandre Louzada, carnavalesco da Beija-flor, avisa no texto de apresentação que “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor”, “é de autoria coletiva. Foi escrito pelas mãos, vozes e memórias de cada componente da nossa comunidade”. Emicida também é citado. Neguinho da Beija-Flor como sempre, brilha no samba nilopolitano que fecha a primeira noite de desfiles. Veja o recado:
Cada corpo um orixá! Cada pele um atabaque / Arte negra em contra-ataque
Sábado, 23 de abril
Dia de São Jorge e, portanto, de Ogum. Dia de incorporar conhecimentos, cantar em línguas ancestrais, dar passagem às entidades de rua. Se a primeira noite foi de reverência, essa é de referência. São nelas, as referências, que o povo do samba se apegou para navegar na rebarba do tsunami pandêmico que passou por aqui nos últimos dois anos.
O carnavalesco Paulo Barros se volta para a comunidade do Paraíso do Tuiuti em “Ka ríba tí ÿe – Que nossos caminhos se abram”. O samba usa uma palavra recorrente em outros concorrentes: RESISTÊNCIA. É uma das escolas que homenageia Mercedes Batista, a bailarina negra, por seu centenário, assim como a Beija-flor, a Grande Rio, o Salgueiro…
“Tem sangue nobre de Mandela e de Zumbi / Nas veias do povo preto do meu Tuiuti”
Renato Lage e Márcia Lage, na Portela, também retornam às origens com “Igi Osè Baobá”, falando do Baobá, árvore que tem um significado especial na cosmologia africana. É a árvore da resistência, palavra, mais uma vez, citada na letra do baobá musical, o samba.
Quem tenta acorrentar um sentimento / “Esquece” que ser livre é fundamento / Matiz suburbano, herança de preto / Coragem no medo!
A Mocidade Independente de Padre Miguel, criou até gíria. O carnavalesco Fábio Ricardo vem “areretizando”. Desenvolve o enredo “Batuque ao Caçador” fazendo a conexão entre o toque para o santo da escola, Oxóssi, e os herdeiros do lendário Mestre André. O da famosa paradinha da bateria “Não Existe Mais Quente”. Entre os autores da composição está Carlinhos Brown.
“Arerê, Arerê, Komorodé / Todo Ogã da Mocidade é cria de Mestre André”
Foi mais ano de um período crítico para as etnias e reservas indígenas brasileiras. Ameaçadas por garimpeiros e invasores amparados pelo descaso das autoridades responsáveis e a desconstrução da rede de proteção legislativa que garante seus direitos, inclusive os constitucionais. Coube ao carnavalesco Jack Vasconcelos, na Unidos da Tijuca, abordar a temática dos primeiros habitantes locais contando a história do guaraná em “Waranã – A Reexistência Vermelha”.
“E se a cobiça e o fogo chegarem na aldeia / Deixa a força Mawé ressurgir”
O povo de rua vai passar pela pista da Marquês de Sapucaí em “Fala Majeté! Sete Chaves de Exú”, enredo de Leonardo Bora e Gabriel Haddad. A representante de Duque de Caxias deu uma guinada na temática de seus carnavais e ficou com o vice-campeonato em 2020 falando de Joãozinho da Goméia. Esse ano, mergulha mais fundo no universo das religiões afro-brasileiras em busca do título inédito.
“Boa noite, moça, boa noite, moço… / Aqui na terra é o nosso templo de fé”
A noite se encerra com uma celebração. O homenageado da Vila Isabel é da casa e de casa. O carnavalesco Edson Pereira faz azul e branco abraçar Martinho da Vila. É festa do povo do samba no enredo “Canta, canta, minha gente! A Vila é de Martinho”.
“Em cada verso, mais uma obra-prima / Ousar, mudar e fazer sem rima”
Desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro
Transmissão pela TV Globo, depois do horário nobre e o G1 a partir das 22h.
Sexta-feira 22/04
Imperatriz Leopoldinense
Mangueira
Salgueiro
São Clemente
Viradouro
Beija-Flor
Sábado 23/04
Paraíso do Tuiuti
Portela
Mocidade Independente
Unidos da Tijuca
Grande Rio
Vila Isabel