Quem samba sabe, não está fácil pra ninguém…
Texto e fotos de Valéria del Cueto
Ano complicado para o povo do samba, alma e coração de uma das expressões culturais mais famosas do planeta, o carnaval. Como se não bastassem os problemas estruturais, preterido e, claramente, desprezado pelo poder público. Especialmente o municipal. O prefeito Marcelo Crivella insiste em ignorar o viés turístico da festa que já rola na cidade o ano inteiro, rende lucros e dividendos essenciais à cadeia produtiva da cidade e consequentemente, ao seu próprio governo.
Acuados em suas comunidades, reféns da espalhafatosa e frustrada intervenção militar do Rio de Janeiro, usados como moeda de campanha política, apontados de forma desrespeitosa e depreciativa.
Como se não estivesse “pegando” geral. Com direto a “pit stop” no sistema penitenciário da fina flor da sociedade fluminense. Foi duro o golpe da passagem por lá do deputado Chiquinho da Mangueira, presidente da verde e rosa.
Sem o reconhecimento de seu papel de mola propulsora da economia, com a redução drástica dos aportes e patrocínios, graças a crise econômica, coroado pelo atraso nos repasses que comprometem os cronogramas dos projetos carnavalescos, o que fazer?
Acredite, o que o povo do samba faz de melhor. Na contramão do gigantismo de anos anteriores a solução é apostar as fichas na expertise do segmento sócio cultural. Samba no pé, muito ensaio de canto e criatividade.
A conquista de última hora foi a volta dos ensaios técnicos. Encavalados nos finais de semana que antecedem o carnaval, já em fevereiro, perderam sua função primordial: serem técnicos. Não há tempo hábil para afinar as falhas detectadas. Mas tomaram a pista.
Com menos “peso” pela pouca grana e focando na 3ª Lei de Newton, a que diz que “toda ação provoca uma reação…” a aposta é num espetáculo cheio de mensagens e muito samba! No pé, mais descoberto, e na garganta para soltar seu grito, que jamais será reprimido.
Com o povo do samba é assim. Mexeu com um mexeu com todos!
Domingo, a primeira parte da maratona
“O que é, o que é?”, indaga o Império Serrano, abrindo o desfile oficial do carnaval com o clássico de Gonzaguinha em andamento de samba enredo. A proposta inédita do carnavalesco Paulo Menezes deixou fora da festa as criações dos compositores da Serrinha, ala mestres como Silas de Oliveira e Mano Décio.
“ViraViradouro!”, incentiva o enredo de Paulo Barros para a representante de Niterói, que retorna a elite do carnaval carioca, com histórias sem fim e disposta a “firmar” para permanecer no Grupo Especial.
Na Grande Rio, uma das beneficiadas com a virada de mesa do último campeonato (quando nenhuma agremiação desceu), Renato e Márcia Lage fazem o desafio: “Quem nunca… Que atire a primeira pedra!”.
O Salgueiro vem de um ano conturbado, em que ações judiciais quebraram o ritmo do desenvolvimento do projeto de Alex de Souza, “Xangô”. Com seu belo samba reverencia o poder do orixá da justiça, dos raios do trovão e do fogo. A terra vai tremer.
A Beija-Flor comemora 70 anos passeando por sua história. A comunidade nilopolitana vem “puxada” pela porta-bandeira Selminha Sorrizo que faz 30 anos de avenida com o mestre-sala Claudinho. “Quem não viu vai ver… As fábulas do Beija-Flor”, promete a comissão de carnavalescos. Com o desafio de fazer uma virada estética depois do campeonato de 2018.
“Me dá um dinheiro aí?” Os carnavalescos Mário e Kaká Monteiro vão direto ao “x” da questão. Contarão a história do “dindin” na Imperatriz Leopoldinense. Você não está querendo?
Quem fecha a noite, com um samba oração que promete embalar a Sapucaí, é a Unidos da Tijuca. O estreante na equipe é lendário Laíla, durante anos da Beija-Flor. “Cada macaco no seu galho. Ó, meu Pai, me dê o pão que eu não morro de fome” E assim será…
Segunda na pista
Não é de hoje que a São Clemente adverte os sambistas sobre os perigos do gigantismo da festa. A reedição do enredo de 1990 “E o Samba sambou…” caiu como uma luva para o momento atual. E com ela é aberta a segunda etapa dos desfiles da Sapucaí.
“Em Nome do Pai, dos Filhos e dos Santos – A Vila canta a cidade de Pedro”. Petrópolis, cidade serrana fluminense, uma joia imperial, é enaltecida pela Vila Isabel. A comissão de frente é do coreógrafo Patrick Carvalho, que abalou em 2018, na Tuiuti.
Não faltarão emoções e lembranças no desfile da Portela. “Na Madureira moderníssima, hei sempre de ouvir cantar uma Sabiá”, da multicampeã Rosa Magalhães. À Tabajara do Samba, bateria comandada por mestre Nilo Sérgio, caberá cadenciar a homenagem à querida cantora assumidamente portelense, Clara Nunes.
O Nordeste e Queiroz entram em cena na União da Ilha do Governador. Não aquele. Com “A peleja poética entre Rachel e Alencar no avarandado do céu”. O carnavalesco gaúcho Severo Luzardo fala de literatura e do Ceará dos escritores Raquel de Queiroz e José de Alencar.
Depois, vem Pernambuco. “O Salvador da Pátria” narra a saga de um bode eleito vereador em Olinda. Mais uma vez, a interação popular do Paraíso do Tuiuti, a surpreendente vice-campeã de 2018, promete.
É nessa levada histórica e política que desce o morro a comunidade da Mangueira. Leandro Vieira, seu carnavalesco, botará na pista heróis do povo que não são mencionados nos livros oficiais. Na “História pra ninar gente grande” verde e rosa Marielles, Marias, Mahins e Malês, entre outros personagens, serão invocados. O samba está na boca do povo.
Fechando a noite de segunda-feira, Alexandre Louzada, na Mocidade Independente de Padre Miguel, des(a)fia um dos últimos mistérios do universo: “Eu sou o Tempo. Tempo é Vida”. E não é que é? Mas há tempo.
Sábado que vem tem mais…
Ordem dos desfiles
Domingo: Império Serrano, Viradouro, Grande Rio, Salgueiro, Beija Flor, Imperatriz, Unidos da Tijuca
Segunda: São Clemente, Vila Isabel, Portela, União da Ilha, Paraíso do Tuiuti, Mangueira, Mocidade
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “É Carnaval”, do SEM FIM… delcueto.wordpress.com
Agradecimentos ao povo do samba, ao Diário de Cuiabá, à Liesa e a Riotur.
Diagramação Luiz Márcio – Gênio