Beija-Flor campeã: garra, grana e Guiné
Escola de Nilópolis mordida vai à forra e leva mais um campeonato. Salgueiro é vice. E, surpresa! Grande Rio fica em terceiro lugar
Texto e fotos de Valéria del Cueto
Do jeito que vinha a maré antes do carnaval, continuou. Tão agitada que, do final dos desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro, até a tarde de quarta, dia da apuração, ninguém apostava um prognóstico fechado. Pelo menos 6 agremiações eram candidatas ao título. Nenhuma era nitidamente favorita. Isso, até a abertura dos envelopes, na Praça da Apoteose. Ali, quesito a quesito, foi sendo estabelecida a ordem do desfile das Campeãs desse sábado. Apesar de seguida de perto pelo Salgueiro, a Beija-Flor sempre esteve na ponta.
Surpreendente foi o terceiro lugar da Grande Rio que sequer aparecia entre as mais cotadas, deixando para trás a precisão suíça com cheiro de chocolate da Unidos da Tijuca, o surrealismo do favoritismo dos 450 anos da Portela e a luta racial de Mandela, enredo afro politicamente correto da Imperatriz.
Tudo isso será re-visto no desfile das Campeãs. Mas muita coisa boa ficou fora desse ranking… .
Dizem que as primeiras escolas das noites de desfile são prejudicadas pela frieza do público. O que dirá se a escola que subia do grupo de Acesso, a Viradouro, no domingo pegasse pela frente uma passarela cheia de água? A chuva era impiedosa e acarretou inúmeros problemas. O som da avenida que falhou várias vezes, tanto na apresentação da adaptação dos lindos sambas de Luis Carlos da Vila, por Zé Paulo Serra, quanto na da Mangueira. A segunda a desfilar, também embaixo de chuva. Luizito, interprete da Verde e Rosa, levou o Estandarte de Ouro de melhor cantor. Mas, dando a nota 9,9, o júri da Liesa foi cruel com a passagem dos Meninos da Mangueira, que conduziam a bateria. Menos mal. O som que não agradou aos julgadores recebeu elogios de Ed Motta: “Bateria da Mangueira ontem, um primor. A divisão dos tamborins complexa, milhares de desenhos rítmicos. Adorei os 6/8 afros que apareciam de vez em quando. Assisti quase tudo, musicalmente foi a melhor, disparada. Respect”, avaliou o cantor que tem ouvido absoluto, por uma rede social.
Paulo Barros “incendiou” a porta bandeira, Lucinha Nobre, num efeito especial. Misturou o casal que apresentava o pavilhão com a Comissão de Frente e, depois de passear por uma série de profecias, transformou a Sapucaí numa suruba generalizada. Era o fim do mundo na Mocidade Independente, classificada em sétimo lugar. Um avanço para a escola, ela quase beliscou uma chance de desfilar nas campeãs e uma derrota para o carnavalesco acostumado a não ficar de fora da festa de sábado.
Da Vila Isabel se esperava que não repetisse a performance de 2014 que quase a levou ao rebaixamento. As afinidades musicais do bairro com o homenageado, o maestro Isaac Karabtchevsky, e a reverência a Martinho da Vila, completando 50 anos de escola, não foram capazes de levá-la além do 11 lugar.
O Salgueiro de Renato e Márcia Lage, colocou na Sapucaí uma Nossa Senhora com manto de “led” e cocar indígena, além de um dos carros mais bonitos do ano, o do ouro. Deliciosas mineirices temperaram os quesitos que deram à escola o vice-campeonato.
A noite fechou dando de mão como enredo “A Grande Rio é do baralho” repleto de ciganas e uma introdução ao mundo de Alice no País das Maravilhas. Usando as cartas que tinha na manga, bateu em terceiro.
Segunda-feira abriu com a São Clemente, a escola mais injustiçada pelos julgadores. O enredo e seu desenvolvimento pela campeoníssima Rosa Magalhães, sobre o genial Fernando Pamplona, mereciam um olhar mais cuidadoso e uma posição melhor que a oitava colocação. Divertido e emocionante.
A noite esquentou com a mais que aguardada e festejada Portela. A Águia/Redentora entrará para a galeria das imagens inesquecíveis do carnaval carioca. Problemas técnicos como iluminação de carros e de harmonia tiraram o gosto dos portelenses de soltarem o grito de campeã. À ela coube um surreal quinto lugar.
O caminho estava aberto para a Beija-Flor e a Guiné Equatorial, enredo definido há nove meses. A vitória acendeu a polêmica sobre o patrocínio. Nota oficial do governo do ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, há 35 anos no poder, dizia os 10 milhões vieram de empresas brasileiras. Um membro da comissão de carnaval nas comemorações agradeceu a Odebrecht, a Queiroz Galvão e a ARG. O embaixador do país disse que foi aberta uma conta abastecida por 30 doadores de lá. O valor seria metade do anunciado. Alheios a polêmica e mordidos com o sétimo lugar de 2014 os componentes fizeram um belo desfile e deram a volta por cima levando mais um título.
A “Beleza Pura”, apesar de manter o espírito alegre e brincalhão da União da Ilha não encantou os jurados mas divertiu o público com os exageros do tema.
Falar de racismo e igualdade rendeu a sexta posição a Imperatriz Leopoldinense, com destaque para sua comissão de frente.
Finalmente, a Unidos da Tijuca mostrou com uma precisão suíça que não será a saída de Paulo Barros que a tirará da elite do carnaval. A bateria 4.0 de Mestre Casagrande cadenciou o desfile da quarta colocada.
*Ordem dos desfiles: Imperatriz, Portela, Unidos da Tijuca, Grande Rio, Salgueiro e Beija-Flor.
**O Sábado das Campeãs, caso não seja transmitido pela TV, poderá se acompanhado pela internet: www.radioarquibancada.com.br/ , www.carnaval.tupi.am/ , www.carnavalesco.com.br/
***Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “É carnaval”, do SEM FIM… delcueto.wordpress.com